Difícil nos esquivarmos de falar da chuva que nos acompanha
nos últimos tempos. Citei aqui no último texto dos desajustes da natureza e da
nossa mente, pois fases e situações obscuras nos exigem uma mente sob controle,
até para sermos capazes de superar as consequências árduas que a vida e sua
impermanência nos impõem.
Temos falado muito de solidariedade e esses dias li um
entendimento acerca do significado prático dessa palavra que me fez refletir:
“de que ser solidário não é oferecer o que sobra, mas dividir o que se tem”.
Complexo não? E não questiono a compreensão do termo, falo do ato mesmo de
repartir.
Ao pensar sobre isso lembrei da minha irmã. Tão logo começou
a trabalhar em Porto Alegre achava uma forma de me trazer para dividir os
trocados poucos que recebia. Recordei de uma vez que fomos ao cinema assistir
ao filme que contava a história da Olga Benário e ela comprou um pastel sabor
Romeu e Julieta para mim.
Foi o melhor pastel que já comi e nunca esqueci daquele dia
que passamos juntas. Sempre soube que aquele gesto significava muito, a gente
sabe que é amado quando alguém não titubeia em dividir conosco aquilo que tem,
principalmente o tempo, nosso bem mais precioso.
No meu trabalho convivo com mulheres privadas de liberdade.
Muitas delas entregaram seu direito de ir e vir por muito pouco. Outro dia, uma
delas, na ingenuidade dos seus vinte anos, confessou que se deixou levar pelos
presentes que ganhava do namorado, os quais eram adquiridos com dinheiro do
tráfico e que aquilo para ela era um sinal de amor.
A questionei se ela acreditava que, em outra situação, onde
o namorado tivesse que trabalhar para conquistar seu dinheiro a presentearia da
mesma forma. Ela rapidamente respondeu que não. Então a alertei de que aquilo
só era dado porque vinha fácil. Falei que ali não havia troca e nem um por
cento das máximas que significam o que é amor, na ânsia de alertá-la para algo
que ela deveria já ter compreendido.
Com o passar do tempo também passei a identificar os sinais
do amor. São sempre pequenos e sutis, moram nos detalhes. Porém, deixam marcas
inesquecíveis no coração da gente. Jamais nos machuca ou diminui, pelo
contrário, nos torna maiores. Tem cheiro, cor, sabor e saudade. Tipo um pastel
de queijo com goiabada, no fundo sempre entendi porque jamais comi um igual.